México. 43 estudantes desaparecidos devem estar em vala comum
Um mês depois de 250 guardas da Gendarmaria Argentina terem sido destacados para o México, de ter sido criado um gabinete de crise, do destacamento do procurador-geral da República, de supermercados saqueados e inúmeros protestos por todo o país, os 43 estudantes mexicanos da Escola Normal de Ayotzinapa continuam em lugar desconhecido.
Desapareceram a 26 de Setembro, numa cidade a 200 km da capital, Iguala, no estado de Guerrero, depois de confrontos com a polícia durante uma manifestação pacífica contra a discriminação dos professores rurais. Nessa noite seis morreram, vários ficaram feridos e os 43 que foram presos pela polícia nunca mais foram vistos.
Não se sabe ao certo o que aconteceu. Ángel Aguirre, governador de Guerrero até renunciar, na última quinta-feira, defendeu que o presidente da Câmara de Iguala, José Luis Abarca, ordenou o ataque para que os manifestantes não perturbassem a festa de lançamento da campanha para presidente da câmara da sua mulher. Sergio Aguayo, politólogo e professor no Colégio de México, concorda que o presidente mandou o chefe da polícia matá-los, entregando-os aos Guerreros Unidos, cartel que já tinha sido ligado ao casal Abarca - neste momento em fuga com o chefe da polícia. As famílias dizem que isso se deveu a os estudantes não pagarem a "taxa de protecção" ao cartel e vários polícias locais já confessaram ter entregado os estudantes ao cartel.O comum a todas as hipóteses é a estreita ligação entre a polícia, os governantes e os cartéis. Até agora, as investigações já levaram à prisão de 56 pessoas, entre elas polícias e agentes locais, que trabalhavam com os Guerreros Unidos. Jesus Murillo Karam, procurador-geral da República, disse segunda-feira que já estavam detidas "as pessoas que sequestraram estes indivíduos".
A sinistra ligação vai muito para além deste município. Durante as investigações já foram encontradas ligações ao crime organizado em 13 polícias municipais, 12 em Guerrero. E Guerrero não é uma excepção no México. Os cartéis infiltram-se facilmente no governo local e nas polícias, onde os agentes mal pagos e mal treinados são facilmente subornados ou sujeitos a ameaças de represálias.
O dia-a-dia dos cidadãos mexicanos inclui assim desaparecimentos, extorsões e fossas comuns. Iguala, terra fértil para o cultivo de marijuana e laboratórios clandestinos de droga, tornou-se uma narcocidade, em que a câmara, a polícia e os cartéis andam de mãos dadas.
POPULARIDADE
Em 2006, o governo do antigo presidente Felipe Calderón lançou a guerra às drogas para desmantelar os cartéis que realmente governam o México. Os grupos pulverizaram-se, transformando-se em novos grupos que nos dias de hoje lutam entre si pelo poder. Mais de 60 mil pessoas terão morrido nos seis anos desta "guerra", número que pode chegar aos 100 mil, se se somarem as desaparecidas.
Em 2012, o presidente Peña Nieto foi eleito e o PRI voltou ao poder no México. O presidente escolheu como centro de acção as reformas económicas e escondeu atrás do pano a crise de insegurança e corrupção até esta não poder continuar a ser escondida. Esta opção, num país em que num terço dos lares há vítimas de algum tipo de crime no último ano, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia, levou a sua popularidade aos níveis mais baixos de sempre: apenas 37% da população apoia a sua política, diz uma sondagem recente da GEA-ISA.
Com estas taxas de aprovação, a guerra às drogas é considerada um pretexto da opressão politica. Desde 2012, a violência contra os activistas políticos, como os estudantes da Escola Normal de Ayotzinapa, os defensores dos direitos humanos e os jornalistas subiu a pique. Segundo a organização Artículo 19, no ano de 2013, em média, a cada 26 horas e meia um jornalista foi agredido no México. Pior, seis em cada dez foram agredidos por um funcionário público. O problema é que quem comete os crimes está ligado às autoridades policiais e têm de ser os jornalistas a investigar os crimes.
Isto foi o que aconteceu a 30 de Junho, quando 23 suspeitos de rapto, que incluíam uma rapariga de 15 anos, foram mortos por soldados durante um tiroteio. Isso foi o que o exército e os funcionários do governo garantiram. Factos posteriores dados a conhecer pela Associated Press e por uma testemunha desmentiram-no: 22 foram fuzilados num armazém depois de terem serem desarmados e de se renderem. A investigação que a procuradoria-geral foi obrigada a abrir resultou na acusação de três soldados por homicídio, acusação que levantou mais questões: como poderiam três soldados imobilizar 21 homens armados? Será que estes soldados agiram por si próprios ou com ordens de cima?
Este massacre em Tlataya será dos primeiros casos em que os agentes são julgados num tribunal civil, pois antes de uma decisão do Supremo Tribunal os casos de abuso de direitos humanos cabiam ao sistema judiciário militar.
ONDE ESTÃO ELES
As famílias continuam esperançosas de que os estudantes voltem a casa, mas espera-se o pior: pensa--se que os estudantes estão enterrados em valas comuns.
A maldição das valas comuns está cada vez mais presente, com a pulverização dos grandes cartéis do México, que operam sem punição nem restrições. Em estados como Tamaulipas e Veracruz são encontradas periodicamente fossas com dezenas de cadáveres, frequentemente imigrantes da América Central que terminam aí um percurso que tem como destino os EUA, provavelmente por não pagarem a quota de extorsão a Los Zetas ou ao Cartel do Golfo. Em Iguala foram encontradas mais de 12. A última, encontrada esta semana em Cocula, a 17 km de Iguala, está a ser agora investigada.
As investigações dos massacres deste Verão em Iguala e Tlataya tiveram de ser conduzidas pela polícia federal porque a polícia local está completamente contaminada. Os governos local e regional não conseguem reagir a estas situações - até porque muitos estão envolvidos. Em Guerrero até o poder estatal se mostrou insuficiente, levando à demissão do governador.Perante o desespero, há quem decida fazer justiça pelas próprias mãos. Foi o que aconteceu em inúmeras cidades do estado de Miochacán. Acusando a polícia e o governo de serem "tremendamente corruptos", formaram-se milícias paramilitares para se protegerem de um dos sete cartéis mais poderosos do México, Los Caballeros Templarios.
O governo de Peña Nieto tenta mostrar estes massacres como incidentes isolados. Não o são. O massacre de Iguala, assim como o de Tlataya, não foram episódios espontâneos de abuso de poder. Foram um ataque premeditado a jovens que ameaçavam os negócios entre os políticos e os traficantes. Ao manifestar--se publicamente pelos direitos humanos, acabaram onde provavelmente os vamos encontrar: nas valas comuns.
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